quinta-feira, 14 de junho de 2012

O fim da picada


Entrei na política, ainda, muito jovem, nos anos 60, fazendo política estudantil secundarista no meu velho e secular colégio estadual “Paes de Carvalho”. Naquele tempo, já se ouvia falar de corrupção, na estrutura do Estado brasileiro, bem como do tráfico de influência nas grandes decisões nacionais. E um dos grandes denuncistas da época era o então governador do estado da Guanabara, jornalista Carlos Lacerda, que, segundo consta, era um orador espetacular e que no uso da tribuna, da Câmara dos Deputados, foi o grande responsável por levar ao descrédito o governo do presidente Getúlio Vargas, fato que, certamente, teria arrastado aquele saudoso presidente ao suicídio.

Tudo isso ocorreu nos idos de 1954, tempo em que eu era ainda criança. Mas, recordando os inflamados discursos de Lacerda, na Câmara dos Deputados, quando dizia que o governo Vargas “era um mar de lama”, o que diria aquele tribuno, hoje, ao tomar conhecimento da reportagem da revista Veja desta semana, pag. 63 a 67, que trás a público o encontro do ex-presidente Lula com o ministro Gilmar Mendes, do STF, no escritório do doutor Nelson Jobim, em Brasília, ocasião em que o ministro Gilmar foi pressionado e até chantageado pelo ex-presidente Lula para que o processo do “Mensalão” não seja levado a julgamento neste ano, “por causa das eleições municipais”, o que, por óbvio, redundaria na prescrição dos crimes de que são acusados a maioria dos réus?

O que diria Carlos Lacerda se vivo fosse? Diria que o Brasil estaria vivendo num mar de lama? Creio que não, até porque a lama do governo do presidente Getúlio Vargas, alvo de suas denuncias, se restringia unicamente ao executivo. Em momento algum chegou ao nosso Excelso Pretório, que, aliás, naquele tempo, era intocável e respeitado.

Mas, como hoje não temos um Carlos Lacerda, o que farão os doutos membros da Câmara dos Deputados e do Senado da República, diante das declarações do ministro Gilmar Mendes, que, além de confirmar a conversa, diz, textualmente, que ficou “perplexo com o comportamento e as insinuações despropositadas do presidente Lula”, que, dentre outras coisas, disse que “detém o controle da CPI do Cachoeira” e que, por isso, poderia dar proteção ao ministro Gilmar Mendes, quanto às investigações a respeito de uma viagem a Berlim, com o Senador Demóstenes Torres, que teria sido feita em avião cedido pelo contraventor Carlos Cachoeira, no que o ministro teria reagido, dizendo que de fato foi a Berlim, onde mora uma filha sua, mas que “pagou de seu bolso todas as suas despesas”. E mandou que Lula fosse fundo na CPI.


Adiante, apesar do constrangimento da conversa, segundo a revista Veja o ex-presidente Lula continuou tratando do julgamento do “mensalão”, agora a respeito do ministro José Dias Toffoli, do STF, a quem o ex-presidente disse “que ele tem de participar do julgamento”, mesmo tendo sido assessor do José Dirceu e advogado do PT em duas campanhas presidenciais, o que, por óbvio, é um absurdo e antiético, até porque o mais adequado é esse ministro se declarar impedido de julgar esse processo. Ademais, ainda existe o fato da atual companheira do ministro Toffoli ter atuado na defesa de três mensaleiros, entre os quais o próprio José Dirceu.

Mas, se não bastasse essas inconveniências, o ex-presidente Lula ainda comentou a respeito do ministro Ricardo Lewandowski, revisor do processo do mensalão, além da ministra Carmem Lúcia, que seria abordada pelo ex-ministro Sepúlveda Pertence, e do presidente do STF, ministro Ayres Brito, tudo num esforço para impedir que o Supremo Tribunal julgue, neste ano, o processo do mensalão, o que, em última análise, beneficia todos os envolvidos, uma vez que, neste meio tempo, os crimes irão prescrever, e, por conseguinte, todo o processo será arquivado.

Perdoem-me a sinceridade. Mas esse comportamento do ex-presidente Lula, é muito mais do que um simples tráfico de influência ou de intromissão indevida. Na verdade é o fim da picada, até porque nunca antes na história desse país se viu um ex-presidente tentar influenciar na decisão do nosso Excelso Pretório, o Supremo Tribunal Federal. Aliás, nem na época do regime militar. Que vergonha!

Fonte: Publicado em O LIBERAL de 30/05/2012, 1º caderno, pág. 02

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