Era 1970. No nordeste brasileiro acontecia a pior seca de todos os tempos, só comparada com a que ocorreu no 2º reinado, quando D.Pedro II pensou até em vender as “jóias da coroa” para ajudar os flagelados.
Na verdade, sendo a pior ou não, o certo é que a seca de 1970 foi terrível. O sertanejo, a despeito da convivência com a estiagem, ano após ano, não tinha como suportar aquele flagelo e as notícias indicavam o fim para muitos. E esses informes, obrigaram o então presidente Médici a ir pessoalmente até aquela região, para ver de perto o desespero e a desesperança daquela gente. E no final, em meio a um discurso emocionado, disse que tudo aquilo “tinha que começar a mudar”. E efetivamente “começou a mudar”, naquele dia histórico de 06 de junho de 1970, quando, dentro do avião que o transportava de volta ao Rio de janeiro, decidiu construir a rodovia Transamazônica, que, começando no nordes te, atravessaria a Amazônia de Leste a Oeste, viabilizando, assim, um outro caminho de fuga para os nordestinos em busca de água e de terras úmidas. E dez dias depois, através do Decreto-Lei nº 1.106, de 16 de junho de 1970, criou o Programa de Integração Nacional, no qual a primeira etapa determinava a “imediata construção das rodovias Transamazônica e Cuiabá-Santarém”. E assim foi. As obras de construção dessas rodovias começaram, ainda, no verão amazônico de 1970, o que permitiu que o presidente Médici inaugurasse a Transamazônica em 1972, em solenidade que ocorreu em um monumento próximo à cidade de Altamira, hoje totalmente abandonado, esquecido no meio do mato e cuja placa comemorativa sumiu.
Mas, como a Transamazônica foi concebida para ser uma rodovia de integração e de colonização, no dia 29 de março de 1971 foi editado o Decreto nº 68.443 declarando de interesse social, para fins de desapropriação, alguns milhões de hectares de terras que vai desde o atual município de Pacajá até Itaituba, cujos contorno tem a forma de um polígono, conhecido como “polígono desapropriado de Altamira”, em cuja área foram implantados os “Projetos Integrados de Colonização (PIC), de Altamira e de Itaituba”. E foi através das Executorias do PIC-Altamira, com sede em Brasil Novo, e, do PIC-Itaituba, com sede em Rurópolis, que o INCRA promoveu o ma is audacioso projeto de assentamento de todos os tempos e povoou a Transamazônica.
Foi o tempo em que os “homens sem terras do Brasil vieram ocupar as terras sem homens da Amazônia”, e dos quais o INCRA exigia o desmatamento de 50% dos seus lotes, pora poderem receber os seus respectivos títulos definitivos de propriedade.
Como se vê, os colonos da Transamazônica e da Cuiabá-Santarém eram obrigados a desmatar 50% dos seus lotes de terra pelo próprio governo federal. E se assim foi, como é que agora o mesmo governo federal trata os colonos como fora da lei, bandidos, por terem desmatado a metade dos seus lotes? E ainda exige que reflorestem 30%, para atender o Código Florestal que estabelece que na Amazônia só pode desmatar apenas 20% de cada lote?
É óbvio que o Código Florestal pode estabelecer novas normas quanto ao desmatamento de terra na Amazônia. Contudo, há de se respeitar o passado, pois do contrário, data vênia, está estabelecida a insegurança jurídica no Brasil, coisa, aliás, muito invocada no STF, a quando da discussão sobre a aplicação da chamada lei da ficha limpa nas eleições de 2010.
É por essa e outras, que o ex-ministro Pedro Malan disse que no Brasil “até o passado é imprevisível”. E é de fato! Não só por causa dos colonos da Transamazônica, que terão de reflorestar os seus lotes, caso o Senado não corrija esse absurdo do Código Florestal; mas, também, pela pretensa reserva indígena “Cachoeira Seca”, do município de Uruará, cujos colonos estão na iminência de serem desalojados pela FUNAI, mesmo eles tendo sido assentados pelo próprio INCRA nos anos 70, na vicinal conhecida por Transirirí e, na época, não haver nenhum índio na área.
Perdoem-me, mas isto está virando brincadeira. E o Congresso tem que dar um basta nisso. É fato que o futuro seja incerto e portanto imprevisível. Mas o passado?!... Se o governo errou, que assuma os seus erros. E sem prejuízo dos que nele confiaram.
Fonte: Publicado em O LIBERAL de 06/07/2011, 1º caderno, pág. 02
Nenhum comentário:
Postar um comentário